sábado, 26 de janeiro de 2013

Review : Odin Sphere


Quantas vezes, ao ler um livro, não somos levados para um mundo de fantasia? Claro que nem todos têm esse efeito, não só pela temática e conteúdo, mas também pela escrita, tantas vezes aborrecida. Mas quando temos um bom livro de fantasia nas mãos, com boa escrita, personagens e mundo cativantes, quantas vezes não ficamos como que colados ao livro, ao ponto de nem dar-mos pela passagem do tempo? Não poucas vezes quase que somos sugados pelo mundo descrito aos nossos olhos, pelos seus ecosistemas, organizações sociais, pelas suas personagens, as suas emoções, as suas forças e fraquezas, que tanto reflectem o mundo em que vivemos.

Nesse aspecto os videojogos também têm um efeito muito semelhante. Muitos apresentam novos mundos fantásticos, ricos em pormenor, com personagens carismáticas e ambientes fantásticos que nos deixam colados ao ecrã durante horas quando apenas pretendíamos experimentar o jogo por alguns instantes ou passar unicamente uma parte específica do jogo. Obviamente que, no caso dos videojogos, para efeitos de emersão, outros factores são importantíssimos, como a componente sonora, o grafismo e a jogabilidade. Todos esses factores, quando bem desenvolvidos, proporcionam-nos grandes experiências, atingindo algumas delas verdadeiros níveis de excelência.

Odin Sphere poderá, ou não, ser um desses exemplos. Porém, tal como Alice, a menina que no jogo inicia a leitura da história de Odin Sphere,  permitindo-nos assim embarcar nesta aventura épica, terão que ler até o fim para o saber. Por isso, sentem-se onde estiverem mais confortáveis, e acompanhem o desenrolar desta história. Era uma vez...




Odin Sphere é um título criado pela produtora japonesa Vanillaware, lançado no Japão em Maio de 2007. Porém, só chegaria ao mercado europeu em Março de 2008. É na sua essência um rpg de acção com jogabilidade em 2D. Ao contrário de tantos outros títulos, ao iniciarmos um novo jogo, não partimos de imediato para a acção ou ficamos a assistir a um vídeo explicativo do que está a suceder no mundo do jogo e o que nos leva a agir. Antes, depois de escolher a dificuldade e se queremos as vozes em japonês ou inglês, controlamos a pequena Alice e através dela começamos a leitura da história de Odin Sphere, começando assim a aventura propriamente dita.

No início temos somente acesso a um livro, mas à medida que avançamos na história outros livros vão ficando acessíveis. Cada um destes representa uma personagem e a sua história, havendo cinco no total, a que se soma mais um com as batalhas finais e um outro se cumprirem determinados requisitos. Apesar de se encontrarem presentes em livros diferentes, a história de cada personagem forma um todo, apresentando diferentes pontos de vista da mesma história global e acontecimentos que são meramente referenciados nos livros de outras personagens.

Aqui o jogo apresenta um dos seus maiores trunfos. A história, apesar da premissa simples, está muito bem construída e mantém o nosso interesse. O que ao início parece ser mais um conflito entre os reinos Ragnanival e Ringford no mundo de Erion pela posse de um artefacto mágico, cedo ganha proporções épicas, à medida que tomamos conhecimento das diferentes facções envolvidas, as suas manipulações e esquemas, bem como de uma profecia que a todo o custo deve ser travada.

Além de bem construída, a sua representação está óptima, com os diálogos e interacções entre as diferentes personagens muito bem conseguidos. Toda a história tem um ar teatral muito bem desenvolvido. Um dos expoentes máximos dessa teatralidade apresenta-se aquando de alguns dos monólogos das nossas personagens ou em algum momento mais emocionante, em que o ecrã escurece e só ficam presentes as nossas personagens iluminadas por uma luz, enquanto declamam para nós, público/interveniente na acção, os seus pensamentos ou se dá algum acontecimento mais trágico.

Mencionar que, ainda que de forma relativamente leve e não muito fiel, a história vai buscar bastante inspiração à mitologia nórdica europeia. Quem tiver algum conhecimento desta mitologia, por certo que reconhecerá algumas das referências. Inclusive, um dos momentos mais dramáticos do jogo está envolto em simbologia dessa mesma mitologia. Não querendo revelar pormenores, chamo a atenção para o texto da profecia e alguns dos nomes de personagens do jogo.

Mencionado como as histórias de cada personagem se interligam para construir o todo que é a história de Odin Sphere e a forma como ficou bem estruturada e conseguida, falta, contudo, referir alguns aspectos importantes relativamente a estas, bem como a estrutura do jogo.

Sob o nosso controlo temos Gwendolyn, uma valquíria, filha do rei Odin do reino de Ragnanival; Cornelius, humano transformado numa criatura chamada de Pooka, filho do rei de Titania; Mercedes, uma fada, filha da Rainha de Ringford; Oswald, humano, órfão adoptado por um membro da realeza de Ringford e ao serviço deste; e por fim Velvet, humana, neta do falecido rei Valentine, do destruído reino de Valentine.

O elenco é bastante diverso, bem como as suas motivações e envolvimento no enredo principal. Essa diversidade também se reflecte na jogabilidade, pois apesar de a estrutura de jogo ser a mesma ao longo da aventura, cada personagem traz habilidades novas e até mesmo formas diferentes de jogar.

A estrutura do jogo é bastante linear e semelhante ao longo dos cinco livros: cut-scenes e diálogos em território não hostil, andar pelo nível a derrotar os nossos inimigos e a ganhar experiência, batalha com o boss final, mais cut-scenes e por aí adiante. Não há exploração do mundo, uma vez que a localização do nosso próximo objectivo/nível está sempre presente no mapa, bastando um clique para lá ir. Nos nivéis, a acção decorre sempre em 2D. Engraçado é que o terreno não é plano mas sim redondo, fazendo uma volta completa por si mesmo, numa espécie de esfera. Deste modo, é possível passar pelo mesmo sítio caminhando sempre numa direcção.

A progressão pelos níveis faz-se através das já referidas esferas. Assim que derrotamos todos os inimigos nessa esfera, é-nos possível abandoná-la e avançar para outra, havendo por norma vários caminhos que podemos percorrer.Todas as esferas estão pontuadas com estrelas, representando a dificuldade e número de inimigos presentes, exceptuando as que têm o título shop, onde podemos comprar ou vender itens, e as que têm um B grande, onde enfrentamos o boss final ou um dos sub-bosses do nível, consoante a cor da esfera. Quando combatem todos os inimigos de uma determinada esfera, são pontuados segundo critérios de tempo e dano levado, variando a recompensa segundo a pontuação.

As batalhas são simples, havendo um único botão de ataque e um outro para magia. Também podemos utilizar itens que causem dano ao inimigo. O combate é em tempo real mas a acção não é tão desenfreada como à primeira vista poderia parecer. Junto do nível de HP e da arma está uma barra com o nome de POW. Por cada golpe sucessivo com a nossa arma a barra vai diminuindo e, se a esvaziarmos, a nossa personagem fica imóvel durante uns momentos e vulnerável ao ataque inimigo. Logo, convém, estar atento à mesma e refrear os ataques, para assim voltar a preencher a barra e voltar à acção.

Este é talvez o aspecto em que o jogo menos brilha. A acção facilmente se torna repetitiva. Os cenários visitados são os mesmos ao longo dos cinco capítulos, havendo pouca variedade. Em termos de história e coerência faz sentido, mas não deixa de causar algum cansaço. Porém, apesar de repetitivo, o jogo não se torna aborrecido. A história cativante e a variedade na forma de jogar de cada personagem resolvem, em grande parte, o problema da repetição.

O modo de acumular experiência e subir de nível merece destaque, pela maneira pouco convencional como decorre. Basicamente, temos dois parâmetros onde podemos subir de nível, a arma e o nosso HP, e maneiras distintas de o subir. Ao derrotar os inimigos, estes libertam phozons, uma espécie de energia vital. Aí, o jogador tem a opção de absorver os phozons directamente e assim acumular experiência para a arma, tornando a personagem mais forte, recarregando igualmente a magia e aumentando a sua habilidade. Ou pode plantar sementes no cenário e estas, após absorverem o número necessário de phozons, tornam-se em árvores de frutos, os quais podemos recolher. Ao serem consumidos, não só regeneram HP como acumulam experiência nesse parâmetro, permitindo assim aumentar o HP da personagem.

A comida tem um grande papel no jogo. Além dos referidos frutos, ao longo dos cenários vão recolhendo ou comprando outros tipos de comidas e ingredientes, bem como muitas receitas. Uma vez na posse da receita e dos ingredientes necessários, podem dirigir-se a um dos restaurantes disponíveis e mandar cozinhar o prato. Por norma, este método concede muita mais experiência e HP que o normal consumo de frutos, especialmente os pratos mais elaborados. Alguns podem mesmo levar convosco para o campo de batalha.

Algo que também tem grande importância é a alquimia. Através de receitas que vamos encontrando, e juntando os ingredientes certos, podemos criar poções várias para nos auxiliar nas batalhas, tais como poções que recuperam HP, que curam estados negativos como poison e burn, que criam escudos para protecção da nossa personagem, até poções que causam ataques devastadores aos nossos inimigos.

Voltando à comida, Odin Sphere não só é saboroso, como também dá vontade de comer, só de olhar o jogo a correr. É um jogo belo. A nível de grafismo, do melhor que se fez na Playstation 2. Apesar de em 2D, os produtores não foram pelo caminho mais fácil de dotar o grafismo de um 2D medíocre, pouco melhorado em relação à geração 32bits. Nota-se o empenho que por certo tiveram para dar vida e cor ao mundo de Odin Sphere. O grafismo é luxuoso, com as personagens com uns sprites bem grandes e bem definidos. Os cenários são ricos em pormenores e em múltiplas camadas, dando ilusão de profundidade a um mundo 2D. Tanto os cenários como as personagens apresentam cores vivas e aspecto de terem sido pintados à mão. Um verdadeiro mimo para os olhos.

Infelizmente, o motor de jogo parece ter sido demasiado pesado para a PS2, ou então os produtores não o optimizaram como deviam, pois quando estão presentes muitos inimigos no ecrã o jogo sofre de slowdowns. Nada que estrague a experiência geral, mas não deixa de ser um aspecto menos positivo.

Mimo é termo que também se pode aplicar à sonoridade, a cargo de Hitoshi Sakamoto. Apesar de pouca variedade, as músicas existentes são por norma bastante boas e acompanham bem o espírito do jogo. Destaque para a World Map theme, de uma beleza etérea impressionante.

E não podia terminar sem falar das vozes. Desde logo, saudar o facto de o jogo permitir tanto as vozes originais, japonesas, como a dobragem em inglês. Para os mais puristas é sem dúvida uma excelente notícia. Mas mesmo que só houvesse a possibilidade da versão inglesa os jogadores não ficariam muito mal servidos. Ambas as versões apresentam grande qualidade, com especial incidência, como não poderia deixar de ser, na japonesa.

Quem acompanhou todo o texto já consegue adivinhar o veredicto final deste jogo. E não podia ser outro se não este: Odin Sphere é um grande jogo. A história e como esta está estruturada prendem-nos ao seu  mundo, faz-nos querer saber mais e ver o seu desenvolvimento e conclusão. As personagens estão construídas com profundidade e fazem genuinamente com que nos preocupamos com elas e com o seu destino. Além disso, apresentam grande dimensão humana, sem esquemas simplistas de bem/mal e com evolução e crescimento interior. As vozes e a música enriquecem o jogo com uma maior carga dramática e qualidade e, visualmente, é um gosto ver o jogo a correr. Não é perfeito e tem as suas falhas, mas a sua narrativa e valores de produção facilmente as ultrapassam. Altamente recomendado.

Sem comentários:

Enviar um comentário